Estátua
Praticamente aposentada, agora em quarentena, experimento uma mudança incômoda (duas palavras ressoam nessa frase: aposento e cômodo).
Trata-se de uma relação alterada com o tempo. Até o estabelecimento da crise com o corona vírus, o futuro era um horizonte cinza-azulado, uniforme e amplo que se confundia com o agora.
Mas uma expectativa surgiu, associada ao que acontecerá amanhã ou na semana que vem, uma espera ansiosa para vislumbrar alguma forma ou significado e o outro lado do momento, como um depois.
Estou com pressa de não sei o quê.
Havia uma brincadeira na minha infância na qual uma fila de crianças ficava ouvindo a contagem em um e dois e três, feita por uma outra, de costas para elas, que podia virar-se a qualquer hora. O objetivo do jogo era avançar sem ser visto enquanto a contadora não olhasse para trás. Se ela flagrasse alguém correndo, ou se mexendo, o culpado era eliminado.
Creio que o jogo se chamava “Estátua“.
Agora vejo-me participando de uma competição parecida de algum modo pois preciso saber quando devo correr e quando preciso parar, fixada na gestualidade do instante interrompido.
Agora eu quero ver o rosto de quem está prestes a se voltar para mim, antes de ser pega indo ao seu encalço.
Estou com pressa. Muita pressa!
Só que esse jogo não tem muito sentido. É uma pressa boba. E neste jogo nem mesmo estou em movimento.
Já virei estátua?
Estou com saudades do mundo! Me antecipando…
Ainda não sei se é angústia mesmo ou se é apreensão pela angústia que está por vir!
Por ora, meu mundo está em suspensão…
Creio que todos nós estamos assim, os assentados quer dizer.
Há os cegos entusiasmados com feriados e festas. A coisa boa: o planeta tem um período de férias da nossa poluição!
Autora:
Jansy B S Mello
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